Alice - House of Curiosers: Carta aberta

Alice - House of Curiosers: Carta aberta

Compartilho por aqui o meu discurso por ocasião da abertura da Alice House of Curiosers, que você também pode ouvir através deste link.

Sábado, dia 14 de janeiro, 11 horas da manhã e lá estava eu, sentada em um café na companhia silenciosa do meu livro, determinada a viver como pessoas que não conheci e em tempos que não vivi, mas li sobre. Estou dando o meu melhor para fazer desse momento a minha própria versão de Hemingway. 

Em "Paris é uma Festa", o autor descreve a cena de ler em um café no início do capítulo intitulado "O Café de la Paix”, nele descreve o ambiente de um típico café parisiense, com sua movimentação vibrante e eclética de pessoas, o aroma do café no ar e a atmosfera carregada de conversas animadas e inspiração criativa. Hemingway retrata a sensação de imersão na cultura e na vida literária da cidade enquanto desfruta da influência positiva que esses ambientes tinham em seu processo literário. 

Sucede que não é exatamente isso que eu estou sentindo ao tentar viver a minha própria versão de Hemingway e quase começo a sentir um pouco de vergonha da minha facilidade para ser distraída e que consequentemente me faz encontrar defeitos neste café que escolhi para ler meu livro. Mas em minha defesa: será que o café parisiense tinha essa porta infame que está exatamente no lado oposto de mim e bate a cada 7 segundos com um barulho seco, forte e…irritante? 

O que eu estou fazendo? 103 anos me separam daquela Paris de Hemingway, Não estou em Paris e, verdade seja dita, eu sequer gosto de café.

Raramente vejo pessoas sozinhas lendo ou escrevendo por aqui, as pessoas a minha volta falam bem mais alto do que o necessário e, pra ser bem sincera, começo a desconfiar que Hemingway só disse o que disse porque não viveu a experiência quase antropológica de ler um livro em um café no ano de 2023, leia-se: enquanto a mesa ao lado assiste um vídeo ou escuta um audio em volume máximo, sem a menor cerimônia.

É, nada aqui parece o Café de La Paix e desisto de tentar recriar a minha própria versão. 

Eu estava no Ottolenghi da Pavilion Road em Londres. Na porta, uma fila considerável de pessoas e lá estou eu, sentada sozinha. E essa porta meu deus, que bate sem parar, seria ela um lembrete de que não consumo algo há tempo e talvez seja hora de liberar a minha mesa para uma das muitas pessoas na fila e que agora me encaram? O banco em que estou sentada está longe de ser confortável mas, ainda assim, estou ali quase todos os dias quando estou em Londres. Porque insisto em ler um livro aqui? The Heming-way, eu sei. Gosto de observar o movimento e as pessoas entre uma página e outra, gosto da comida, dos doces mas… todo o resto me distrai demais.

Posso mudar de estabelecimento mas de que adiantará? Sei que haverá no mínimo um celular inconveniente. Eu poderia ir até a Biblioteca de Londres, mas e se me der fome? Não há serviço e ainda é afastado de tudo.

E foi observando aquele ballet cotidiano e um tanto quanto barulhento para quem quer ler um livro naquela manhã de sábado que me peguei pensando: esse lugar não foi feito para ler. Como faço para ler com tudo que há de bom aqui, mas sem as coisas ruins?

"Acompanhe o meu raciocínio naquele momento: se queremos ver um filme, vamos ao cinema, se queremos dançar, vamos a uma balada, se queremos ver arte, podemos ir a museus e galerias mas …e para ler um livro? vamos aonde exatamente?"

Alice - House of Curiosers: Carta aberta
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Acompanhe o meu raciocínio naquele momento: se queremos ver um filme, vamos ao cinema, se queremos dançar, vamos a uma balada, se queremos ver arte, podemos ir a museus e galerias mas …e para ler um livro? vamos aonde exatamente? Por favor não me diga livraria, aquela poltrona escondida no fundo da loja está longe de ser o lugar convidativo e ideal. E voltar para a Paris dos anos 20 não é uma possibilidade, infelizmente.

Quando menos percebo, minha cabeça está cantando djavan em loop: o dia frio eu já tinha, faltava só o bom lugar para ler um livro. 

Minha cabeça estava a milhão e naquele momento eu só precisava domar a ansiedade ariana e esperar a segunda feira chegar para comunicar a ideia no grupo de trabalho, afinal, o Brasil dormia e ainda era sábado. Como eu já tinha largado de mão a minha tentativa de curtir a la Hemingway e, animada com as minhas ideias,  dou início então a minha própria versão de outra célebre escritora para mapear e devorar Londres com os pés, afinal, a cidade estimula, põe a gente a andar, a se mover, a pensar e se esse movimento ajudava Virginia Woolf a encontrar inspiração, o barulho dos meus passos em Londres também me ajudaria a afinar a ideia que havia brotado em minha mente.

Cheguei a Notting Hill e os dedos disparavam mensagens no grupo de trabalho com todas as ideias que vinham em ondas avassaladoras. Pois é, não aguentei esperar a segunda-feira chegar e, de repente, me vejo comprando almofadas na Portobello Road que, coincidência ou não, refletiam 100% o espírito e clima que rondavam a minha ideia. Ou o entorno me moldou? De todo modo,  ansiedade, obsessão e paixão são alguns dos meus sobrenomes.

Janeiro é o mês em que eu preciso pensar e definir qual será o tema do Trent Planner do ano seguinte e, para alegria da minha sócia, normalmente faço uso do mês inteiro e ainda recorro aos últimos segundos para bater o martelo. Mas dessa vez foi diferente, pois o universo literário já era uma ideia que tinha passado pela minha cabeça, primeiro por paixão, segundo por manifesto e sobretudo depois dessa epifania toda que eu acabei de te contar. Faltou falar sobre o manifesto:

Algum tempo antes disso tudo, enquanto passeava/ procrastinava pelo Instagram, deparei-me com um vídeo em que o sujeito agradecia o livro que havia ganho de presente. No agradecimento, elogios sem fim à estética do livro e recomendação insistente de que se tratava de um objeto perfeito para decorar a casa. Um livro perfeito para decorar: quando foi que tudo virou exposição? Quando foi que os livros deixaram de ser abertos para virarem, na melhor sorte, um objeto de decoração? Que desperdício de livro, que desperdício de oportunidade. Saber ler é por si só uma posição de muito privilégio, muito embora quem o saiba não pense muito sobre isso. Não fazer uso desse “luxo” é fechar a porta para um universo de imaginação.

Em momentos de tédio, quando precisei adquirir conhecimento, senso crítico, quando quis viajar mas não podia sair do lugar, quando quis aprender algo novo, quando precisei de repertório em conversas com pessoas com as quais tinha pouca intimidade, quando precisei distrair minha mente de um coração machucado, quantas vezes um livro me salvou.

Tantas coisas eu poderia falar na tentativa de catequizar mais pessoas para (ou de volta a) esse mundo de infinitas possibilidades. E mesmo que isso pareça tão óbvio para mim, me vi perdida em tantos pensamentos e argumentos. Coloquei-me a caminhar. E é isso o que faço toda vez que preciso pensar, expandir alguma ideia: Ando, porque, de certa forma, é como ler. E se funcionava para Woolf, funcionaria para mim.

E foi pensando em como colocar os argumentos em palavras que de repente vi minha cabeça voar para a mais famosa de todas as Alices, a menina inglesa que conseguiu acessar o País das Maravilhas. Esse célebre romance do inglês Lewis Carroll inspirou tantos artistas nas mais diversas searas e, indiscutivelmente, trata-se de uma obra que habita o imaginário de todas as pessoas da minha geração. E eu não sou exceção.

Muitos conhecem essa Alice, mas poucos enxergam o exemplo que empresta. 

Alice é um livro que pode ser lido em duas chaves, como um livro para crianças, pela história, enquanto história no mundo da fantasia, mas pode ser lido em outra chave, um livro dentro do qual a questão do sentido é fundamental, não à toa há 150 anos especialistas tentam decodificar todas essas camadas de sentido que Alice traz. 

Ou seja, Alice é muito mais que um romance infantil, a obra coloca em confronto o mundo da lógica e do nonsense , nas palavras da própria Virginia Woolf é um livro pelo qual os adultos podem voltar a ser crianças. Alice é uma menina que só descobre o País das Maravilhas após seguir o Coelho Branco que passa apressado por ela na floresta. Em uma jornada de descobertas surpreendentes, Alice lida com os mais diversos personagens e, aos poucos, molda seus pensamentos e atitudes de acordo com o que vê, ouve e sente.

Curiosa e sem pensar nas consequências, Alice entra logo após o Coelho e acaba descobrindo um mundo de sonhos, magia e algumas estranhezas pelo caminho, ensinando a quem estiver disposto a ler que a curiosidade nos faz descobrir mundos incríveis e sem sequer precisar sair do lugar. 

Foi assim pensando em todas essas viagens possíveis que os livros nos proporcionam que convidei ele, o melhor ativo do meu currículo vitae, meu ex-estagiário, o homem mais letrado das redes e meu amigo querido, Pedro Pacifico, para desenhar uma viagem literária ao longo de 2024 por meio do Trent Planner, que conduzirá você por 11 países através de 12 autores. Isso tudo sem precisar fazer mala ou passar em raio-X.

Estamos em constante mudança e somos aquilo que vemos, aprendemos e lemos. A variedade de temas e histórias sob o céu é incrível e alguns universos são impossíveis de imaginar! Ainda que esses universos sejam desconhecidos para nós, todo esse arcabouço de conhecimento e pensamento tem peso determinante em nossa capacidade de pensar, criar, criticar, perceber, interpretar e, talvez ainda mais importante, imaginar o mundo à nossa volta. Sem conhecimento não haveria imaginação. E é somente por meio das coisas que conhecemos que podemos começar a imaginar coisas diferentes e a contar histórias.

As nossas próprias histórias.

 E tenho pra mim que a única vida que vale a pena ser vivida é aquela em que somos capazes de imaginar. E assim nasce Alice House of Curiosers, o meu lugar dos sonhos para ler um livro, para trazer pra perto as pessoas curiosas e também para as que desejam se permitir levar pela curiosidade, para viajar sem sair do lugar, para abrir o livro para ler e não apenas decorar, tudo isso em um ambiente propício, inspirador, interessante e com pessoas igualmente interessantes.

Deixo aqui o meu convite para que em 2024 você se permita ser levado por todos os coelhos brancos que estão à sua volta. O exercício da curiosidade é uma faculdade só nossa e, ao final do dia, são os curiosos que movem o mundo.

 

Assinado por Maria Helena.

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